
Ao mesmo tempo que leio o amor transformando a vida de um jornalista que aparentemente não tem mais idade para mudar nada, ouço, involuntariamente os berros desaforados da família vizinha a minha casa. Tendo a desacreditar das maravilhas do amor, vendo que talvez a rotina aniquile lentamente a espontaneidade dos relacionamentos. Nesse momento, o que acredito ser o filho (só os conheço pela voz) grita que para mãe que ela é uma burra, a filha ofendida por sua mãe ou por talvez acreditar que o xingamento engloba também a sua existência, responde uma porção de impropérios...a mãe, que nunca ouvi falar mansamente, continua, sem se perder no meio dos gritos dos filhos, a sua cantilena estridente, ouço então alguém ligar o motor de um carro, e uma voz mais grave (possivelmente o pai) grita que todos estão errados e que ele está atrasado demais pra ter que lidar com aquilo. Nesse ponto, já quase não conseguindo mais me concentrar no livro, ouço uma risada conhecida no quarto ao lado, e percebo que meus pais conversam sobre algo trivial...
Respiro fundo.
Ligo Piaf bem alto para abafar os sons externos.
O amor é possível apesar de.